domingo, 21 de dezembro de 2008

PICHANDO CALOS

Às vezes, para um (pseudo) escritor ou metido a comentarista (no meu caso, um cara metido a intelectual que "grita no meio do deserto"), encontrar inspiração para escrever sobre qualquer assunto é difícil, difícil ao ponto de tornar-se , digamos, algo doloroso. Na última semana, passei por experiência semelhante: dentro de um vagão de metrô (lotado, para variar), levei um pisadela no pé... de um salto Luís XV (não necessariamente no calo - e isso não significa que eu o tenha - ... mas tudo bem).

Não farei comentários sobre a dor do c@*@!?0 que senti naquele instante, muito menos farei plágio de Drummond (se eu o fizesse, como ficaria? "Havia um Luís XV em cima do meu pé... Em cima do meu pé havia um Luís XV"?... melhor deixar quieto). Eis a pseudo-sacada que tive: uma "pisada no calo" é (obviamente) um incômodo, até mesmo uma provocação. E uma situação na qual alguém desafia os limites de determinada regra estabelecida é (!) uma pisada no calo.

Pois é, para muita gente, o que aconteceu no dia 26 de outubro na "Bienal do vazio" foi um baita pisão no calo (desculpem-me pela redundância...). Caroline Pivetta, 24, pixou - em parceria com o grupo no qual era integrante, a Família Susto's - o "andar do vazio" da última Bienal. Nem precisa ser um gênio da magnetude de George W(ar) Bush para deduzir que a garota foi presa. Adivinhem a justificativa para a prisão: associação a "milicianos" com fins de "destruir as dependências do prédio". Crime cometido: destruição de patrimônio cultural. E, finalmente, a justificativa de Caroline Sustos (seu pseudônimo): participou desse ato para manifestar-se "contra os desfavorecidos, os que não têm acesso àquela coisa toda (à proposta da Bienal)".

A guria ainda emendou que gostou da proposta da Bienal deste ano - o "vazio"... tanto que havia um andar, literalmente, vago nas instalações -, pois "todo mundo tem um vazio dentro de si". De quebra, Caroline também participou de ato semelhante ocorrido na (Faculdade) Belas Artes, no início do ano. Resultado: Caroline Sustos ficou por pouco mais de 50 e lá-vai-porrada de dias vendo o sol nascer quadrado, além de ter tido uns duzentos e cinquenta mil habeas corpus negados. E a parada repercutiu tanto, mas tanto, que até ministros Paulo Vannuchi e Juca Ferreira, respectivamente das pastas de Direitos Humanos e de Cultura, pediram ao governo paulista que a jovem fosse libertada. Depois de muita discussão, Carolina Pivetta foi posta em liberdade na última sexta-feira, 19.

Agora, a pergunta que não quer calar: até em que ponto a punição imposta à grafiteira (pichadora, artista ou o que tu quiseres) foi correta? A polícia agiu de forma truculenta e/ou arbritária neste caso (!)? Neste caso, a atitude foi somente contestadora, rebelde e/ou sem-noção ou, até mesmo, criminosa? Cada um responderá a essas questões e terá opiniões (bem) diferentes sobre o caso da "bienal do vazio" de acordo com sua formação e ideologias. Talvez não caiba a nós rotularmos a polícia - tanto de maneira positiva como depreciativa -, tampouco a jovem.

Danificar algum espaço (ou monumento) público é questionável pois, mesmo sendo de maneira indireta, a manutenção desses espaços é custeada com o dinheiro vindo de impostos (é isso mesmo, "véio"... a parada sai do seu bolso), mas aplicar à autora desse ato punição semelhante à de um homicida, por exemplo, nos remete aos (nada) bons e velhos tempos da ditadura... não é hora de rever conceitos e valores de nossa sociedade, assim como a aplicação de penas?

Enquanto isso, resta a todos nós tomarmos cuidado para que nossos calos não sejam pisados... e isso não é só anatomicamente falando.

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