domingo, 27 de setembro de 2009

NUNCA MAIS? (PARTE III)


Bastou Ana Maria dizer que tinha medo de viajar de avião que o mundo - e o próprio avião - viraram de ponta-cabeça. O tripulante orientou os passageiros, por meio de voz trêmula, a aperterem os cintos, por motivos óbvios; e o pânico era evidente no ar (pressurizado), tangível talvez... uns choravam (além das crianças, é claro); outros falavam frenética e desesperadamente. Não obstante, alguns não reagiam, mas estavam com o olhar distante, assustado e resignado, como se estivessem esperando pelo pior.


Eu estava atônito, torcendo para que aquilo fosse um pesadelo e para que eu acordasse logo - ofegante, seguramente... Apesar de ser algo surreal, a turbulência estava acontecendo, de fato. De repente, tal qual um déjà-vu, aquela "sensação estranha" que tive no táxi voltou à tona. Nunca tive tanto medo de não voltar a nadar - eu não o fazia há anos -; e temia, de coração, a não sentir o aroma do café expresso. Temia nunca mais admirar Maria Luíza ao amanhecer (até nos meus prováveis últimos instantes eu pensava nela, cazzo!).


Ademais, a ideia de nunca mais falar com o meu "velho", em especial, me aterrorizava. Aquilo me impôs um sentimento de culpa tão grande quanto o (seguramente) sentido por Cerezzo, ao errar o passe que resultou no gol de Paolo Rossi e, de certo modo, na eliminação do Brasil perante à Azurra em 1982... queria demais pedir perdão ao meu pai pelo meu egocentrismo juvenil. Também passou um flashback da minha vida diante (?) dos meus olhos: a minha infância no subúrbio de São Paulo (ou melhor, em Guarulhos), a minha adolescência paradoxalmente nostálgica e conturbada (acho que o meu mau-humor de hoje se deve à minha introspecção intensa de outrora); os dias - e noites - com Maria Luíza... Até imaginava as manchetes dos (tele)jornais do dia seguinte: "Queda de avião mata 100".


Ao ter consciência de que eu seria um daqueles cem, me desesperei. Eu tive a sensação de ter ouvido o Corvo de Edgard Allan Poe sussurar em meu ouvido "Nevermore" (em bom português, "Nunca mais"). Durante aqueles intermináveis minutos, eu havia me esquecido completamente da existência de Ana Maria... O desespero, contido porém visível, em sua expressão me influgiu a obrigação de tranquilizá-la... mas eu não sabia como fazê-lo (palavras reconfortantes nunca foram o meu ponto forte). Não tive muita escolha (moral); logo, comecei a dizer-lhe que tudo terminaria bem, que conseguiríamos pousar sãos e salvos em terra firme - sem convicção alguma no que eu mesmo dizia, confesso. Meio que por condescendência, Ana Maria concordou (ou fingiu?) com o que eu dissera. Confesso que estava com medo de cair no clichê do tipo: "Não importa o que aconteça, mas saiba que gostei de conversar contigo..."; contudo, para minha surpresa, ela o fizera.


Pouco depois dessa declaração inesperada e improvável por parte dela, tal qual um passe de mágica, a turbulência começou a tornar-se mais branda e, consequentemente, o voo estava se estabilizando. Parecia até que a passagem pela sucursal do "Triângulo das Bermudas" estava se encerrando (para o alívio de todos aqueles dentro do avião, foi o que ocorreu de fato). Não conseguia dizer mais nada a Ana, e ela também estava em silêncio (não sabia se queria desembarcar o quanto antes, ou se queria se ver livre de mim). Estávamos numa espécie de "agradecimento mútuo e tácito", por um estar ao lado do outro.


Finalmente, o pesadelo estava se acabando - juntamente com a pista de pouso. Estava pouco me importando com a bagagem, tampouco com o check-in no hotel... só queria estar com os pés em terra firme. Após eu e Ana Maria termos desembarcado - e a voltarmos a respirar -, vimos bombeiros, médicos, policiais e (adivinhem!) alguns repórteres no aeroporto (eu não queria ter a minha cara estampada num telejornal - e, para a minha sorte, ela também não). Após conseguirmos nos esquivarmos dos "urubus" da imprensa (atrás de "carniça"), fui ao banheiro... para, enfim, colocar toda a angústia, desespero e raiva para fora, em formato de lágrimas.


O pior havia passado... ainda bem que a "pseudo-EQM" havia acabado. Não sabia definir, ao certo, se estava aliviado por ir ao congresso para professores "fodidos" de Literatura, ou enraivecido mesmo - por causa desse evento eu quase virei um corpo somente identificável por meio de exame na arcada dentária. Como prêmio de consolo, eu teria a companhia de Ana Maria durante - e após - os debates e as palestras, por uma semana.