quarta-feira, 7 de outubro de 2009

VIDA ARBRITÁRIA (PARTE II)


Como eu havia dito, uma lei arbritária resulta em uma (ou mais) leis do mesmo “naipe”. Pois bem, por mais absurda que tenha sido, essa emenda foi instituída: palavrões não poderiam mais ser ditos. É isso mesmo, meu caro, aquela interjeição (um tanto mal-educada) que costumávamos “soltar” em momentos de raiva estava terminantemente proibida. Quando eu soube de sua instituição, reagi com um displicente “Puta que o pariu!”... e isso me valeu uma semana em reclusão (só não fui sumariamente dispensado do jornal do qual era estagiário porque boa parte da equipe, inclusive o editor chefe, também foi jogada no xadrez. Agora imaginem a seguinte cena: jovens de 15 anos, até mesmo crianças de 8, 9 anos sendo jogadas em camburões (não conseguiu? Pois bem, por incrível que pareça, isso aconteceu).


Após a minha semana de “retiro social” (preferi encarar dessa maneira, enquanto lia “Memórias do cárcere” - nada mais propício, não é mesmo?), voltei para a redação (por um milagre, efetivado), e me deparei com algo que somente havia visto em livros de História e em filmes nos quais regimes militares (especialmente na Vespúcia Latina): um censor em meu local de trabalho. No início, Zeca, nosso “gate keeper” do governo, somente fazia “presença” (ele havia se tornado amigo de todos do setor; logo, os impactos sentidos por todos nós foram sensíveis); contudo, pouco mais de um ano depois, Zeca foi trocado pelo Arthur (esse era “linha-dura”, tal qual um “xará” dele dos tempos da Ditadura militar)... O cara implicava até com notinha sobre música. Como num jogo de “ação e reação”, a população (ou melhor, a parcela que não assistia aos seriados-“placebo”) começou a manifestar-se contra as imposições do governo. Não é preciso dizer que as contra-respostas do braço armado do regime costumavam ser violentas (ao ponto de Maneco, ancião do jornal, dizer que “já havia visto aquilo antes”).


Numa espécie de câncer em desenvolvimento intenso e desenfreado, a arbritariedade do governo aumentava vertiginosamente. A seguinte foi, como eu dizia na minha adolescência, “cabulosa”: livros e revistas sobre Política, Filosofia, literatura marginal e afins pararam de ser comercializados (não preciso dizer que as editorias relacionadas a esses assuntos foram drasticamente reformuladas no jornal em que trabalhava – em outros, foram extintas mesmo)... e o mesmo valeu, posteriormente, para o cinema e para a música (para conseguir um filme do Michael Moore ou algum CD do Los Hermanos, por exemplo, somente no “mercado negro”... e torcendo para que não houvesse nenhum integrante do governo inflitrado no meio). De repente, me vi tal qual um subversivo incorrigível, para (in)felicidade dos meus pais (a minha família era do interior de São Judas, estado vizinho a São Tomé do Vale, e eles não se conformavam em ter um membro da família no “olho do furacão”).


Pois bem, se os nossos digníssimos líderes queriam formar uma sociedade (ainda mais) alienada, o objetivo estava sendo atingido “na mosca”... e, dizia o senso comum na época em que eu era “livre” e não sabia, futebol, religião e política não poderiam ser discutidos... esse ditado clássico foi radicalmente modificado pelo regime.

sábado, 3 de outubro de 2009

VIDA ARBRITÁRIA (PARTE I)


São Tomé do Vale. Cidade (ou melhor, megalópole) conhecida por ser o coração financeiro e, também, cultural de um país chamado Brasiliópolis. Vale citar também que São Tomé do Vale é marcada pela gritante desigualdade social e, também, pela diversidade cultural (ao dobrar a esquina, literalmente, você sai de um pub "regado" a Bajofondo, The Gotan Project e a Orishas e está num botequim (ao melhor estilo "risca-faca"), no qual a trilha sonora é Calypso).

Pois bem, sou mais um habitante de São Tomé do Vale (ou mais uma gota d'água no meio da garoa, como preferir)... daqui a algumas horas, não o serei mais (vocês entenderão o porquê, após eu contar, resumidamente, o que me jogou no "olho do furacão").


Voltemos ao (não tão) longíquo ano de 2009. Eu ainda era um rapaz no auge dos meus vinte e poucos anos... estudante de Jornalismo, daqueles que "trabalham para pagar o curso " e que "sonhavam em mudar o mundo" (por uma porrada de disparidades e mazelas sociais em geral, as universidades públicas são dominadas pelos alunos oriundos das melhores escolas (privadas, é bom que se diga); logo, não precisa ser muito esperto para deduzir que os alunos vindos das escolas públicas (leiam-se "pobres") eram relegados às universidades privadas (isso quando conseguiam ingressar no mundo acadêmico... Brasiliópolis sempre foi marcada por essas contradições - que ajudam a conservar os indicadores de desigualdade social, diga-se de passagem). Para não perder muito o foco, contarei a primeira das medidas um tanto arbitrárias que desencadearam na ditadura de hoje: a lei de proibição contra o fumo em locais fechados.


Em princípio, eu havia agido indiferentemente em relação à ela (nunca fumei... basicamente, por nunca ter gostado de tabaco - e pelos conhecidos males causados pelo cigarro -, além de sempre ter questionado como as empresas tagistas conseguiam lucrar com a "desgraça" alheia); contudo, sentia-me incomodado por um pequeno (ou melhor, grande) detalhe: o livre-arbítrio passou a ser chutado para escanteio. Além disso, apesar de essa ser uma questão de relativa importância, havia problemas muito mais graves (falta de médicos em hospitais, segurança e educação, somente para citar alguns) que foram jogados para baixo do tapete. Reconheço que não gostava de sair de festas "cheirando a" nicotina, mas todos têm direito de escolha. Certo? Para os governantes de São Tomé do Vale, Joel Kassetes e João Machado, a resposta está (categoricamente) errada.


Como diria o poeta, "é aí onde está o busílis"... A partir do momento em que uma pessoa perde o direito de escolha (como diriam os pseudo-intelectuais de quinta categoria, o potencial cognitivo do indivíduo). Para endossar a campanha, personalidades, artistas e pseudo-celebridades de reallity shows participaram da campanha (a proporção atingida pelo coeficiente influência versus impacto causada pelo apelo a personalidades é notório)... A partir daí, meus caros, precedentes para decisões perigosas foram abertos... Não foram raros os casos em que pais denunciavam filhos "transgressores" às autoridades (e vice-versa); e o mesmo ocorreu entre (até então) amigos, com relativa frequência. Ah!, e isso sem contar o agravante de que uma lei arbrtitária "abre as portas" para outra(s).


(Continua)

domingo, 27 de setembro de 2009

NUNCA MAIS? (PARTE III)


Bastou Ana Maria dizer que tinha medo de viajar de avião que o mundo - e o próprio avião - viraram de ponta-cabeça. O tripulante orientou os passageiros, por meio de voz trêmula, a aperterem os cintos, por motivos óbvios; e o pânico era evidente no ar (pressurizado), tangível talvez... uns choravam (além das crianças, é claro); outros falavam frenética e desesperadamente. Não obstante, alguns não reagiam, mas estavam com o olhar distante, assustado e resignado, como se estivessem esperando pelo pior.


Eu estava atônito, torcendo para que aquilo fosse um pesadelo e para que eu acordasse logo - ofegante, seguramente... Apesar de ser algo surreal, a turbulência estava acontecendo, de fato. De repente, tal qual um déjà-vu, aquela "sensação estranha" que tive no táxi voltou à tona. Nunca tive tanto medo de não voltar a nadar - eu não o fazia há anos -; e temia, de coração, a não sentir o aroma do café expresso. Temia nunca mais admirar Maria Luíza ao amanhecer (até nos meus prováveis últimos instantes eu pensava nela, cazzo!).


Ademais, a ideia de nunca mais falar com o meu "velho", em especial, me aterrorizava. Aquilo me impôs um sentimento de culpa tão grande quanto o (seguramente) sentido por Cerezzo, ao errar o passe que resultou no gol de Paolo Rossi e, de certo modo, na eliminação do Brasil perante à Azurra em 1982... queria demais pedir perdão ao meu pai pelo meu egocentrismo juvenil. Também passou um flashback da minha vida diante (?) dos meus olhos: a minha infância no subúrbio de São Paulo (ou melhor, em Guarulhos), a minha adolescência paradoxalmente nostálgica e conturbada (acho que o meu mau-humor de hoje se deve à minha introspecção intensa de outrora); os dias - e noites - com Maria Luíza... Até imaginava as manchetes dos (tele)jornais do dia seguinte: "Queda de avião mata 100".


Ao ter consciência de que eu seria um daqueles cem, me desesperei. Eu tive a sensação de ter ouvido o Corvo de Edgard Allan Poe sussurar em meu ouvido "Nevermore" (em bom português, "Nunca mais"). Durante aqueles intermináveis minutos, eu havia me esquecido completamente da existência de Ana Maria... O desespero, contido porém visível, em sua expressão me influgiu a obrigação de tranquilizá-la... mas eu não sabia como fazê-lo (palavras reconfortantes nunca foram o meu ponto forte). Não tive muita escolha (moral); logo, comecei a dizer-lhe que tudo terminaria bem, que conseguiríamos pousar sãos e salvos em terra firme - sem convicção alguma no que eu mesmo dizia, confesso. Meio que por condescendência, Ana Maria concordou (ou fingiu?) com o que eu dissera. Confesso que estava com medo de cair no clichê do tipo: "Não importa o que aconteça, mas saiba que gostei de conversar contigo..."; contudo, para minha surpresa, ela o fizera.


Pouco depois dessa declaração inesperada e improvável por parte dela, tal qual um passe de mágica, a turbulência começou a tornar-se mais branda e, consequentemente, o voo estava se estabilizando. Parecia até que a passagem pela sucursal do "Triângulo das Bermudas" estava se encerrando (para o alívio de todos aqueles dentro do avião, foi o que ocorreu de fato). Não conseguia dizer mais nada a Ana, e ela também estava em silêncio (não sabia se queria desembarcar o quanto antes, ou se queria se ver livre de mim). Estávamos numa espécie de "agradecimento mútuo e tácito", por um estar ao lado do outro.


Finalmente, o pesadelo estava se acabando - juntamente com a pista de pouso. Estava pouco me importando com a bagagem, tampouco com o check-in no hotel... só queria estar com os pés em terra firme. Após eu e Ana Maria termos desembarcado - e a voltarmos a respirar -, vimos bombeiros, médicos, policiais e (adivinhem!) alguns repórteres no aeroporto (eu não queria ter a minha cara estampada num telejornal - e, para a minha sorte, ela também não). Após conseguirmos nos esquivarmos dos "urubus" da imprensa (atrás de "carniça"), fui ao banheiro... para, enfim, colocar toda a angústia, desespero e raiva para fora, em formato de lágrimas.


O pior havia passado... ainda bem que a "pseudo-EQM" havia acabado. Não sabia definir, ao certo, se estava aliviado por ir ao congresso para professores "fodidos" de Literatura, ou enraivecido mesmo - por causa desse evento eu quase virei um corpo somente identificável por meio de exame na arcada dentária. Como prêmio de consolo, eu teria a companhia de Ana Maria durante - e após - os debates e as palestras, por uma semana.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

NUNCA MAIS? (PARTE II)




Quanto mais falava com Ana Maria, mais interessado por ela ficava (aparentemente, sabe-se lá por qual motivo, parecia ser algo mútuo); e mais pontos em comum encontrava entre nós... e entre ela e Maria Luiza, (in)felizmente. O sorriso dela, ao mesmo tempo meigo e sedutor, lembrava muito o de minha ex; assim como o olhar, penetrante e, por algum motivo, sincero... o timbre de sua voz, semelhante ao de Vanessa Krongold, vocal do Ludov, era hipnotizante; e a maneira de gesticular enquanto conversava comigo era de um grau de graciosidade tão elevado quanto o de uma integrante de uma equipe de nado sincronizado. Eu estava me sentindo atraído por ela, e estava gostando daquilo... seria legal tentar esquecer Maria Luiza por uns tempos, antes que eu estivesse na cama com outra mulher e "a visse".

Quando falávamos sobre o filme "Adeus, Lênin!" - mais um ponto em comum entre nós: ele estava na lista de "os cinco melhores filmes" de ambos -, uma voz digitalizada anunciou: "Voo 4761 da TAM, com destino a Curitiba, irá partir daqui a dez minutos". Fiquei meio que "anestesiado" quando soube que iríamos no mesmo voo, mas não em poltronas "vizinhas". Ela ficaria ao lado de uma apresentadora de um desses programas televisivos insossos, exibidos na parte da manhã; e eu, ao lado de um executivo ao melhor estilo "porco capitalista". Foi um pouco árduo negociar com a apresentadora (com o executivo não haveria acordo, pois o cara estava revoltado por ter de viajar na classe econômica), mas foi possível trocar de lugares... eu e Ana Maria poderíamos viajar juntos.

Retomamos (ou melhor, ela o fez) o diálogo sobre filmes europeus; e ela começou a falar sobre o filme "Asas do desejo", de Wim Wenders; e ela rira ruidosamente quando eu disse que ele era uma versão decente de "Cidade dos anjos"... e eu ria por osmose, para tentar aliviar a ansiedade pré-decolagem. Para a minha (falta de) sorte, no exato instante em que Ana Maria parara de rir, o avião estava decolando. Estava visivelmente abatido, tal qual alguém que presenciou um assalto; e as minhas mãos suavam ao ponto de, caso alguém as visse, acharia que eu as lavara e não as enxugara... Ana me lançou um olhar com um quê de compaixão e de escárnio; e me perguntara se estava tudo bem. "Sim... só tenho um pouco de medo de altura". Por algum motivo (des)conhecido, ela a começou a rir debochadamente e me disse um insólito "Relaxe, seu bobo!". Se isso tivesse sido falado em outras circunstâncias (e por qualquer outra pessoa), eu teria ficado puto da vida; mas achei graça dessa fala dela.

A (pseudo) turbulência havia passado, e eu já respirava aliviado (ou melhor, respirava) - já conseguia até fingir que não havia acontecido nada, apesar da cara de escárnio da Ana. A conversa havia tomado a perigosa e traiçoeira rota dos relacionamentos - justamente o que eu temia. Ela havia comentado sobre os affairs (fiquei surpreso ao saber que ela nunca havia ido a fundo em um relacionamento, apesar de sua beleza estonteante e de seu estilo, digamos, instigante); e eu havia me limitado a respostas quase monossilábicas sobre o meu casamento e sobre um ou outro affair (nunca me senti à vontade para falar sobre mim).

Conversávamos sobre os interesses de ambos - ela, seguramente, não gostou muito de saber que eu não passava de um roteirista frustrado, e falava comigo só para passar o tempo - e estava integralmente voltado para o que ela falava (apesar do meu jeito aparentemente "distante de tudo")... Quando ela comentou que (também) tinha medo de viajar de avião, tive a sensação de que ela falara palavras mágicas (não necessariamente positivas): uma turbulência (de fato) estava prestes a se iniciar.

domingo, 23 de agosto de 2009

NUNCA MAIS? (PARTE I)


Era um dia nublado, tão insosso quanto um prato preparado para um hipertenso (em tratamento). A garota do tempo, numa dessas ironias da vida, havia informado que aquele seria um dia ensolarado; e o mesmo fora informado na TV do metrô e no jornal. Talvez seja mais fácil acreditar em duendes e na integridade moral de Sarneys e de caudilhos em geral. Ah!, e diga-se de passagem, aquele era um dia interessante para viajar de avião... e eu teria de fazê-lo, até Curitiba.


Na verdade, eu iria a um desses congressos regados a muitas palestras sonolentas e rodadas de uísque até o amanhecer (e isso tenderia a repetir-se por uma semana). O tema era ligado à Literatura (antes que eu esqueça de dizer, sou professor de Letras numa dessas universidades particulares por aí; e, nas horas vagas, tento desfazer-me das minhas frustrações escrevendo... nem preciso dizer o quão ridícula e insignificante é a minha obra(?)). Enfim, por algum motivo que nem um tal Sigmund Freud explicaria, fui convidado a participar dela.


No fim das contas, aceitei sem titubear, para tentar fugir um pouco dos problemas - e de mim mesmo, reconheço. Eu não passava por uma fase "das melhores", por assim dizer. O meu casamento de cinco anos havia acabado (ou melhor, fui eu quem optara pelo divórcio... Maria Luiza, minha ex-mulher, merecia alguém melhor, menos chato e menos propenso a ser um "loser"); o meu emprego na universidade estava por um fio (tudo por causa de uma veemente discussão com o reitor, um "carrasco nazi-fascista"); e, além disso, a minha relação com o meu pai não andava muito bem (por minha culpa... seguramente pelo meu jeito "fechado", por preferir chorar escondido do que a pedir ajuda... e, desde que havia dito ao "velho" que estava cansado de ser um problema (!) na vida dele, não nos falamos mais... e isso faz uns três meses).


A caminho do aeroporto, no táxi, sem motivo aparente, tive uma sensação estranha... era como se aquela fosse a última vez em que eu faria aquilo. Será que nunca mais veria os prédios da Avenida Paulista? Eu não teria mais oportunidade de ver o sorriso da Maria Luiza, o mais lindo que eu vi até hoje? (é difícil admitir, mas eu ainda a amava... e, por amá-la, decidi afastar-me dela... e me sentia igual ao personagem de Matt Damon em "Gênio indomável". A exemplo do que você está pensando agora, sei que sou um cara complicado; enigmático, como uma grande amiga minha diria). Nunca mais iria ao Pacaembu, para assistir ao jogo do Corinthians? Eu não iria mais ir a uma livraria, para ler por horas e horas; ou ir ao bar com os amigos? Por alguns segundos, eu me senti aterrorizado por causa daquela sensação; tanto que o taxista me perguntou se estava tudo bem. "Tudo bem, 'velho'... só uma certa nostalgia por antecipação". Ele havia dito que muitos dos passageiros dele sentiam algo semelhante. "Não foi nada demais"; e me calei instantaneamente. Nunca fui muito bom em conduzir diálogos...


Fim da corrida até o aeroporto (sem trânsito intenso, ainda bem); e ela ficou por volta de R$30,00... se não fosse pelas malas, eu teria pego ônibus e metrô sem problema algum. O voo estava previsto para as 16h30 e, por um milagre, estava aproximadamente 1 hora e quinze minutos adiantado (eu nasci com um ligeiro (?) problema crônico no meu relógio biológico; logo, nunca fui muito bom no quesito "pontualidade"). Aproveitei para despachar as malas para que fossem direcionadas ao compartimento do avião; e fui à Duty Free, para comprar um livro para passar o tempo da viagem (eu havia esquecido o "Admirável mundo novo" em casa; e pretendia lê-lo pela terceira vez... queria certificar-me que as comparações que faziam comigo e com Bernard Marx, personagem desta obra de Huxley, eram fundadas). Acabei adquirindo um livro sobre Cinema Europeu; e aproveitei para tomar um café.


Estava (bem) concentrado no capítulo dedicado à Nouvelle Vague quando, inesperadamente, uma mulher de aproximadamente trinta anos pediu para sentar-se na mesma mesa. Era atraente, especialmente pelos cabelos encaracolados à Norah Jones, pela sua pele levemente bronzeada pelo sol e pelo sou corpo frágil, mas bem torneado... contudo, ainda não era tão bonita quanto Maria Luiza (por que cazzo eu sempre comparo qualquer mulher a ela, por mais linda que seja?). Para variar, não consegui "puxar" nenhum assunto e continuei a ler, mas ela dissera que gostava muito do Cinema feito no "Velho mundo"... após uns dez minutos, parecia que nos conhecíamos há anos; e conversávamos empolgadamente sobre os filmes do Almodóvar.


Numa dessas grandes surpresas que a vida nos reserva, ela também era professora de Literatura (em uma escola privada) e também iria àquele congresso em Curitiba... definitivamente seria uma companhia agradabilíssima naqueles dias. Antes que eu tenha mais um acesso de amnésia, o nome dela era Ana Maria.

sábado, 15 de agosto de 2009

REMINISCÊNCIAS DO SONO



Mais um dia... e, mais uma vez, o despertador toca (talvez essa seja a única maneira de ficar irritado ao ouvir “Sexual healing”, de Marvin Gaye – o toque do meu despertador). Tento pensar em ficar mais cinco minutos deitado (se é que consigo raciocinar corretamente nos primeiros instantes após ter acordado)... mas temo que esses “cinco minutos” transformem-se em quinze, vinte, uma hora talvez. Barba (?) feita, banho tomado e vitamina ingerida, lá vou eu para o ponto de ônibus... antes disso, pego o jornal, entregue por algum pobre coitado que acorda antes de mim, enquanto eu ainda tentava dormir (por que alguns “param” suas vidas em prol de outras pessoas? Talvez nunca conseguirei entender isso).


No ponto de ônibus, como sempre, fico sabendo que o ônibus que eu pretendia tomar havia passado, no máximo, uns dois minutos antes... e sempre me resta esperar por volta de dez minutos, para variar (são raríssimas as vezes em que não me atraso... até para me atrasar estou atrasado). Nem preciso dizer que a combinação “rush e atraso” resulta em ônibus lotado. Espero não encontrar nenhum amigo ou qualquer pessoa conhecida (o meu nível de “antissociabilidade” está em patamar assustadoramente grande nos primeiros instantes do dia); logo, tudo o que quero é ler, ouvir o set list do meu mp3, ou dormir, caso algum lugar ficar vago no decorrer da viagem (o que é raro, diga-se de passagem). Às vezes penso nos (supostos) benefícios em ir trabalhar de carro, mas o engarrafamento (uma tradição nacional) e a minha (notória) falta de habilidade ao volante me fazem desistir.


Fim do (meio do) caminho... hora de virar “tatu” (estranho, agora me lembrei de Levy Fidélix, aquele tiozinho do “Aerotrem”, ao falar sobre o metrô). Em virtude de estar na primeira estação da linha (ou por sorte mesmo), os vagões não estão lotados; logo, há conforto (?) o bastante para poder ler o jornal (de cada dia, obviamente). Após chegar à estação Tiradentes (onde sou “espirrado” (!) do vagão), entro em questionamento hamletiano (ao invés do “Ser ou não ser? Eis a questão”, apelo para o “A pé ou de ônibus?”). Como estou (bem) atrasado, tenho de apelar para o coletivo... e lá vem mais tempo de espera até sua chegada. Dentro do ônibus, me sinto como se estivesse passando pela “cidade anônima” do livro (e filme) “Ensaio sobre a cegueira”, por causa de toda aquela sujeira característica do Centro Antigo (e decadente) de Sampa (não foi à toa que parte dessa película foi filmada por lá).


De repente, olho para o reflexo formado no vidro do ônibus, e percebo como as minhas olheiras estão grandes (olheiras são nada mais do que um dos sintomas de cansaço e, principalmente de sono)... nem os óculos ajudam a disfarçá-las. De acordo com o dicionário (“meu pai”), o sono é a “vontade ou precisão de dormir” (por que não mudam para “desespero por não dormir”?). De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), o período minimamente recomendável para o sono é de 6 (isso mesmo, SEIS) horas... e muitas vezes, em virtude do ritmo de vida atribulado nos grandes centros urbanos, isso chega a ser um sonho (!) inalcançável. Não obstante, a falta de sono pode causar vários problemas à saúde, como irritabilidade maior, dores de cabeça mais frequentes e ganho de peso.


Não precisa ser nenhum gênio da raça para perceber que o dia será longo... qualquer lugar (uma cadeira, uma parede qualquer e, até mesmo, o hall do elevador) serão potenciais camas; e terei de tomar cuidado para não entrar em overdose de cafeína.

domingo, 9 de agosto de 2009

AS INTERMITÊNCIAS DA VIDA


Era uma sexta-feira. Mesmo tendo acordado ao som de Marvin Gaye (o toque do meu despertador é "Sexaul healing"... e não me venha com comentários maledicentes) e tendo vontade de jogar o celular na parede, além de ter aquela clássica dificuldade para acordar cedo (uma instituição nacional, não é mesmo?), eu sabia que aquele dia seria atípico... por causa de um hemograma. O meu mau-humor ia às alturas por imaginar aquela agulha (que faz marmanjo barbado e parrudo correr, aos prantos, para o colo da mãe) atravessar o meu braço tão grosso quanto um graveto.


Exame feito, biscoito (de leite, um clássico dos laboratórios desse ramo) comido e mocaccino tomado, lá fui eu para o ponto de ônibus... com band-aid no braço e tudo. Por sorte - talvez por tê-lo tomado mais próximo do início do itinerário -, ele estava vazio... e como foi bom cochilar até a estação do metrô (acho que atingi o nirvana - não a banda, cazzo - no meio do caminho).


Eu irei poupá-los dos pormenores sórditos (a quem iria interessar se eu costumo ler jornal no metrô e se a minha mesa estava com alguns documentos com análises pendentes - em virtude de problemas sistêmicos, é bom que se diga -, além de ter esperado por uns cinquenta minutos no elevador?)... Ao pegar o meu celular, vi que havia uma ligação não-atendida (de praxe... só não imaginaria que essa iria mudar o meu dia). Convenhamos, uma ligação de sua própria casa, registrada às 10h40, não é uma das coisas mais comuns no mundo.


Obviamente, como se espera de alguém que é um ser previsível, retornei a ligação. Eis que surge a voz despretensiosa do meu irmão (a minha versão "legal") no outro lado da linha; e, após ter perguntado pela "velha guarda" do clã (igual a pais), o garoto manda a seguinte: "Eles foram ao hospital... Fulano de tal morreu". Fiquei por uns dois segundos estático, com cara de quem vê a ex-namorada com outra pessoa; ou talvez um atropelamento... Tanto que uma amiga minha, que estava relativamente próxima de mim naquele momento, me perguntou se eu estava bem. "Sim, estou". Em virtude da insistência dela (segundo a própria, a minha cara não era das melhores... e olha que, mesmo quando estou bem, a minha cara não ajuda). "Um amigo da família faleceu. Não estou com vontade de sentar no canto da sala e chorar, mas estou meio 'atordoado', reconheço".


O resto do expediente foi estranho... nem modorrento, nem entusiasmente, tampouco estressante... Insosso, talvez. Espero não ter passado apatia a todos os seres que atendi à tarde (além de inexperiência... funcionário novato equivale a dores de cabeça aos chefes. Espero dar analgésicos a eles logo). Como se não bastasse, a van destinada aos colaboradores demorou muito para chegar ao prédio (ninguém "nunKassab" o porquê... será que é por causa da "lei-placebo" dos ônibus fretados?), o metrô estava "bombando" (para variar); e a avenida próxima à minha casa, inacreditavelmente, estava engarrafada ao ponto de uma formiga ficar parada por lá também.


Como diria o poeta (tão sábio quanto um participante de BBB), "Está na Argentina? Grite "É penta!"... decidi dar uma olhada nos 100 e-mails não-lidos (por negligência, preguiça, "vagabundagem") na minha "caixa"... E, depois, iria ao velório.


No meio do caminho (o meu pai estava dirigindo... por isso que hoje não estou falando sobre acidentes de trânsito), estava pensando sobre esse tema (infelizmente, a única certeza que temos na vida...). Pensava nos parentes do falecido (talvez eles estivessem desejando que o tema do livro "As intermitências da morte", de Saramago... um daqueles livros da série "1001 livros para ler antes de morrer" e que, diga-se de passagem, ainda não li. "Por que será que a "Morte" não tirou férias hoje?").


Ao vê-los ali, senti-me (obviamente) desolado, ao ponto de achar que iria chorar também... o momento mais delicado foi ver o filho ao lado do caixão, numa espécie de "diálogo retórico", um momento essencialmente introspectivo. Contudo, a alguns metros dali, havia uma roda composta somente por "barbados", tal qual o "Clube do Bolinha", na qual, para variar, só falava-se sobre futebol e automobilismo (não chegava a ser uma "amolação"... trocadilho infame, reconheço). Em outros momentos os temas foram (paradoxalmente) a vida, ufologia, o cazzo.


O clima e as circunstâncias, por si sós, eram desgastantes; sem contar o cansaço em virtude do horário. Início de madrugada, pedi para sair (simbolicamente falando). Não aguentava mais: as circunstâncias; o horário, talvez (ser "baladeiro" acidental e esporádico dá nisso). Não irei falar sobre os fatos posteriores (não estou aguentando mais abordar esse tema). O que resta, a todos nós, meros mortais, é viver cada momento intensamente (é um clichê, reconheço, mas não custa nada apelar para a teoria do carpe diem). Até a próxima, com assuntos obviamente menos fúnebres.