quarta-feira, 7 de outubro de 2009

VIDA ARBRITÁRIA (PARTE II)


Como eu havia dito, uma lei arbritária resulta em uma (ou mais) leis do mesmo “naipe”. Pois bem, por mais absurda que tenha sido, essa emenda foi instituída: palavrões não poderiam mais ser ditos. É isso mesmo, meu caro, aquela interjeição (um tanto mal-educada) que costumávamos “soltar” em momentos de raiva estava terminantemente proibida. Quando eu soube de sua instituição, reagi com um displicente “Puta que o pariu!”... e isso me valeu uma semana em reclusão (só não fui sumariamente dispensado do jornal do qual era estagiário porque boa parte da equipe, inclusive o editor chefe, também foi jogada no xadrez. Agora imaginem a seguinte cena: jovens de 15 anos, até mesmo crianças de 8, 9 anos sendo jogadas em camburões (não conseguiu? Pois bem, por incrível que pareça, isso aconteceu).


Após a minha semana de “retiro social” (preferi encarar dessa maneira, enquanto lia “Memórias do cárcere” - nada mais propício, não é mesmo?), voltei para a redação (por um milagre, efetivado), e me deparei com algo que somente havia visto em livros de História e em filmes nos quais regimes militares (especialmente na Vespúcia Latina): um censor em meu local de trabalho. No início, Zeca, nosso “gate keeper” do governo, somente fazia “presença” (ele havia se tornado amigo de todos do setor; logo, os impactos sentidos por todos nós foram sensíveis); contudo, pouco mais de um ano depois, Zeca foi trocado pelo Arthur (esse era “linha-dura”, tal qual um “xará” dele dos tempos da Ditadura militar)... O cara implicava até com notinha sobre música. Como num jogo de “ação e reação”, a população (ou melhor, a parcela que não assistia aos seriados-“placebo”) começou a manifestar-se contra as imposições do governo. Não é preciso dizer que as contra-respostas do braço armado do regime costumavam ser violentas (ao ponto de Maneco, ancião do jornal, dizer que “já havia visto aquilo antes”).


Numa espécie de câncer em desenvolvimento intenso e desenfreado, a arbritariedade do governo aumentava vertiginosamente. A seguinte foi, como eu dizia na minha adolescência, “cabulosa”: livros e revistas sobre Política, Filosofia, literatura marginal e afins pararam de ser comercializados (não preciso dizer que as editorias relacionadas a esses assuntos foram drasticamente reformuladas no jornal em que trabalhava – em outros, foram extintas mesmo)... e o mesmo valeu, posteriormente, para o cinema e para a música (para conseguir um filme do Michael Moore ou algum CD do Los Hermanos, por exemplo, somente no “mercado negro”... e torcendo para que não houvesse nenhum integrante do governo inflitrado no meio). De repente, me vi tal qual um subversivo incorrigível, para (in)felicidade dos meus pais (a minha família era do interior de São Judas, estado vizinho a São Tomé do Vale, e eles não se conformavam em ter um membro da família no “olho do furacão”).


Pois bem, se os nossos digníssimos líderes queriam formar uma sociedade (ainda mais) alienada, o objetivo estava sendo atingido “na mosca”... e, dizia o senso comum na época em que eu era “livre” e não sabia, futebol, religião e política não poderiam ser discutidos... esse ditado clássico foi radicalmente modificado pelo regime.

sábado, 3 de outubro de 2009

VIDA ARBRITÁRIA (PARTE I)


São Tomé do Vale. Cidade (ou melhor, megalópole) conhecida por ser o coração financeiro e, também, cultural de um país chamado Brasiliópolis. Vale citar também que São Tomé do Vale é marcada pela gritante desigualdade social e, também, pela diversidade cultural (ao dobrar a esquina, literalmente, você sai de um pub "regado" a Bajofondo, The Gotan Project e a Orishas e está num botequim (ao melhor estilo "risca-faca"), no qual a trilha sonora é Calypso).

Pois bem, sou mais um habitante de São Tomé do Vale (ou mais uma gota d'água no meio da garoa, como preferir)... daqui a algumas horas, não o serei mais (vocês entenderão o porquê, após eu contar, resumidamente, o que me jogou no "olho do furacão").


Voltemos ao (não tão) longíquo ano de 2009. Eu ainda era um rapaz no auge dos meus vinte e poucos anos... estudante de Jornalismo, daqueles que "trabalham para pagar o curso " e que "sonhavam em mudar o mundo" (por uma porrada de disparidades e mazelas sociais em geral, as universidades públicas são dominadas pelos alunos oriundos das melhores escolas (privadas, é bom que se diga); logo, não precisa ser muito esperto para deduzir que os alunos vindos das escolas públicas (leiam-se "pobres") eram relegados às universidades privadas (isso quando conseguiam ingressar no mundo acadêmico... Brasiliópolis sempre foi marcada por essas contradições - que ajudam a conservar os indicadores de desigualdade social, diga-se de passagem). Para não perder muito o foco, contarei a primeira das medidas um tanto arbitrárias que desencadearam na ditadura de hoje: a lei de proibição contra o fumo em locais fechados.


Em princípio, eu havia agido indiferentemente em relação à ela (nunca fumei... basicamente, por nunca ter gostado de tabaco - e pelos conhecidos males causados pelo cigarro -, além de sempre ter questionado como as empresas tagistas conseguiam lucrar com a "desgraça" alheia); contudo, sentia-me incomodado por um pequeno (ou melhor, grande) detalhe: o livre-arbítrio passou a ser chutado para escanteio. Além disso, apesar de essa ser uma questão de relativa importância, havia problemas muito mais graves (falta de médicos em hospitais, segurança e educação, somente para citar alguns) que foram jogados para baixo do tapete. Reconheço que não gostava de sair de festas "cheirando a" nicotina, mas todos têm direito de escolha. Certo? Para os governantes de São Tomé do Vale, Joel Kassetes e João Machado, a resposta está (categoricamente) errada.


Como diria o poeta, "é aí onde está o busílis"... A partir do momento em que uma pessoa perde o direito de escolha (como diriam os pseudo-intelectuais de quinta categoria, o potencial cognitivo do indivíduo). Para endossar a campanha, personalidades, artistas e pseudo-celebridades de reallity shows participaram da campanha (a proporção atingida pelo coeficiente influência versus impacto causada pelo apelo a personalidades é notório)... A partir daí, meus caros, precedentes para decisões perigosas foram abertos... Não foram raros os casos em que pais denunciavam filhos "transgressores" às autoridades (e vice-versa); e o mesmo ocorreu entre (até então) amigos, com relativa frequência. Ah!, e isso sem contar o agravante de que uma lei arbrtitária "abre as portas" para outra(s).


(Continua)