segunda-feira, 11 de maio de 2009

COTIDIANO PASSAGEIRO


Não é segredo para ninguém que o expediente começa antes mesmo de bater o cartão (ou de passar o crachá no leitor magnético da catraca), mais precisamente, no trajeto de nossas casas até o escritório (borracharia, açougue, loja, “boca”...); contudo, ele se inicia muito mais perto de nossos “cafofos” do que nós mesmos imaginamos: no ponto de ônibus. É por lá onde, na maioria das vezes, o andamento de nossos dias será definido... o hiato de 10 minutos (que poderiam ser usados como “prorrogação” de nosso “coma” de algumas horas) entre um ônibus e outro pode definir o adiantamento (?) de uns 5 minutos em relação ao início do expediente ou, quiçá, um atraso homérico – e, consequentemente, à justificativa plausível, à desculpa esfarrapada ou ao exercício machadiano de elaborar uma “obra literária” ao chefe (será que vai colar? Nem o “Impostor” responderia resolutamente).

Pois bem, a “lata de sardinha” pode ter mais utilidades do que nos levar à linha de chegada (ou à metade do caminho, de acordo com a distância de seu esconderijo)... local de leitura (às vezes é bom saber que você não é o único “leitor de ônibus” na face da Terra), de interação interpessoal (é incrível que você sempre encontra os “sumidos” da vida, a vizinha arrogante ou os amigos dos tempos de escola no coletivo) ou, até mesmo, de análise social [é um trabalho digno de Freud ou de pseudo-filósofos, tal qual uma certa apresentadora “superpop”, entender por que um gênio da raça sempre finge dormir ao ver uma gestante ou um idoso ao entrar no ônibus – detalhe: o elemento estava (in)devidamente sentado no assento “especial”... ou, então, alguém já se perguntou sobre a “graça” de empurrar, dar bolsadas/mochiladas e pisar nos pés de outrem, pelo simples prazer de de “marcar território”?]... enfim, o ônibus é o local menos recomendado para quem quer “desligar-se” do mundo (e o mesmo vale para o metrô e trem).

Outra pergunta: por que vizinhos saem (sozinhos) em seus respectivos carros, trabalham em locais próximos - isso quando não trabalham, por algum (des)capricho do destino, na mesma empesa -, e ficam presos no trânsito, colaborando para a manutenção da (má) fama das marginais, para queda da (contraditoriamente tão almejada) qualidade de vida e, por mais quixoteana que a teoria a seguir pareça, para a intensificação do efeito estufa (o nosso “moinho de vento” atual)? Motivos não faltam: para mostrar ao mundo (e aos assaltantes) a ximbica nova, a ser paga em algumas centenas de prestações; quiçá, para sentir a brisa do ar condicionado na cara (a estufa em seu formato mais simples, básico)... ou seria pelo direito sagrado e inalienável de ouvir “crássicos” do naipe de Calypso ou 50 Cent? Você tem mais alguma teoria? A humanidade procura por mais algum álibi para justificar o auto-arremesso aos tubarões (motorizados).

Além disso, é humanamente impossível não olhar para a “Babel” formada no busão: o executivo no dia do rodízio de sua ximbica e que tem aversão ao “povo” (então, por que cazzo ele está ali?), o estagiário, o mecânico, a vendedora, a secretária, a diarista, o desocupado (ou seria retardado?), o universitário... enfim, somente o botequim nos happy hours da vida consegue ser o local mais democrático. Infelizmente, por mais insano que pareça, ainda há cenas (ora veladas, ora veementes) de preconceito, normalmente de caráter social e/ou racial... os “pequenos” crimes cotidianos que corrompem (e envergonham) a sociedade.

Enfim, para que o trânsito (ou melhor, nossas vidas) possa fluir bem, basta que usemos o bom senso... e por que não, passemos a ser solidários, “caronisticamente” falando?

Nenhum comentário: